21 de agosto de 2014

Viajar pela Leitura: Opinião

Sinopse

No dia em que se conhecem, Maria Aparecida e Betinho, duas crianças de rua em Salvador da Bahia, tornam-se inseparáveis. Vítimas de abusos por parte dos pais, fazem do Cine Roma a sua casa, e da amizade que os une, um antídoto para combater a dura realidade de quem vive a fugir de sombras ameaçadoras.
No ambiente de violência das ruas, os dois amigos vão crescendo e, um dia, os seus caminhos separam-se. Betinho vai para o Rio de Janeiro com um namorado e Maria Aparecida fica a viver numa igreja abandonada com outros desabrigados. Magoada pelo abandono do amigo, e na esperança de se reconciliar com a sua memória, decide regressar a casa para tomar conta do pai. De volta à rua, começa a prostituir-se, cruza-se com Creuza e desce ainda mais fundo ao inferno.

Betinho, agora Roberta, regressa a Salvador para reencontrar Maria Aparecida, desencontrada de si, perdida nos excessos. Entre exorcismos de mágoas, abraços de saudades e lágrimas, voltam a viver juntos. Nem a presença de Creuza, nem mesmo Chico, um poeta com quem Maria vive um amor proibido, consegue separar os dois companheiros de solidão e retirar-lhes a única coisa que ainda os faz viver: a esperança. Um romance sobre a vida real no submundo urbano baiano. Uma história sobre duas crianças que um dia sonharam que podiam ser amadas.

Opinião
Duro. Violento. Dramático.

“A Rainha do Cine Roma” é um livro bombástico, deveras chocante. Só assim pode ser descrito, por muito que nos cheguem testemunhos da realidade das ruas do Brasil – como eventualmente de outros países da América Latina –, através de documentários ou da recente vaga de filmes que exploram a crueza desse lado do mundo e da vida daqueles que nele habitam.

Esta história incide sobre a vivência de várias personagens, que parecem carregar com elas todos os pecados que podem caber num só corpo humano. Na verdade, pecados aos olhos da sociedade, porque aquilo que elas carregam são estigmas, azares consequentes da aleatoriedade do universo que o Homem jamais terá capacidade, nem sequer vontade, de mudar. O autor faz-nos ver que as personagens são boas no seu íntimo, embora incapazes de quebrar as barreiras que lhes são impostas desde tenra idade. E quando nos é dado a entender que conseguem uma vitória, mais um desafio lhes é imposto, daqueles que são impossíveis de ultrapassar. A vida destas pessoas é vivida numa espécie de montanha em constante derrocada, onde a cada metro escalado com custo acabam por se afundar três ou quatro, rumo ao abismo.

Drogas, prostituição, homossexualidade, educação, violência, pedofilia, incesto, pobreza. Tudo isto está descrito nestas páginas de um modo tão frio quanto o enredo narrado na primeira pessoa pode oferecer.

Trata-se de um excelente livro, onde a perseverança persiste, assim como o estranho fado que acompanha aqueles que nada têm.