20 de fevereiro de 2014

Entrevista com Dana Burlac: boa hora para a literatura brasileira

 Publicado em: La Latina

Romance do mexicano Alejandro Reyes cuja história se passa no Brasil.
Romance do mexicano Alejandro Reyes cuja história se passa no Brasil.

Escrevendo extensas matérias jornalísticas sobre literatura para veículos impressos, conheço uma série de profissionais do meio editorial que me dão “sabrosas” entrevistas individuais. Nem todos cabem nos textos, mas muitos oferecem carinhosamente tempo, histórias, dados e opiniões – e seria uma pena ver esse conteúdo perdido ou esquecido.

É o caso da francesa Dana Burlac, da editora Denoël, de Paris, que já publicou títulos argentinos, cubanos, chilenos, mexicanos, nicaragüenses… Mas nenhum brasileiro, apesar de ter morado um período no país. Nosso papo foi motivado pelo estilo francês de publicar livros, muitas vezes avesso à excessiva exposição do autor para impulsionar as vendas.




Temas paralelos entraram na conversa, que gira em torno da experiência de Dana como editora. Um deles é a atual exposição internacional da literatura do Brasil, que pode ser aproveitada para se transformar em oportunidades reais: “Agora é a hora de mostrar mais da profunda riqueza cultural e das maravilhas que a literatura brasileira tem”.

Confiram, com exclusividade.

Qual é sua opinião sobre a visibilidade dos livros nos dias de hoje: há mais produção e eles são mais difíceis de encontrar – ou vivemos uma situação que sempre existiu, em que alguns bons livros aparecem e outros não?

Acho que apesar de que o contexto econômico nunca foi tão duro, livros continuam a ser publicados. A cada temporada de lançamentos (setembro e janeiro), centenas de livros nascem, e é difícil para editores e autores sobreviver em meio a esse tsunami literário. Algumas editoras têm mais meios que outras e, consequentemente, maior orçamento para publicar seus livros. E é de fato difícil publicar um primeiro romance de um autor desconhecido, mas graças ao desenvolvimento de novas formas de comunicação (promoção tradicional com jornais, TV, rádio, mas também o que chamamos de webmarketing, envolvendo blogs, redes sociais, twitter, instagram, Tumblr…), alguns livros podem existir e até atingir um amplo sucesso, graças ao que chamamos na França de “Le Bouche à Oreille”, o “boca a boca”.

Como editora, como você faz para acompanhar a produção de novos autores e captar melhor os originais?

Para encontrar novos autores: procuro intensamente por novos talentos da literatura francesa, e nós acabamos de encontrar um lindo primeiro romance que chegou por email, como muitos outros. Para literatura estrangeira, contamos com agentes, scouts e leitores confiáveis e, claro, lemos tanto quanto podemos. Como editora, tento a todo custo estar presente ao longo de todo o processo criativo do livro. Se é um livro francês, tento criar uma saudável relação de confiança com o autor, para que ele se sinta apoiado e confiado. Isso ajuda a construir as melhores bases para o livro. A escolha da capa, do texto da contracapa, apresentando o livro meses antes ao time comercial: tudo isso é crucial para o destino do livro. Da mesma maneira, se é literatura estrangeira, a tradução, a relação com o tradutor, a confiança na versão original, a relação com o autor, com os agentes e os editores estrangeiros: tudo isso conta um montão no processo de produção.

Ao parecer, o meio editorial francês representa um espaço de resistência a certos aspectos da excessiva exposição do autor para conseguir vender os livros e da revolução digital nos livros. Isso é verdade? E de que maneira se dá?

Acho que a França sempre teve essa reputação de ser resistente a um estilo anglo-saxão de publicar livros, um pouco como o povoado de irredutíveis gauleses nas histórias de Asterix e Obélix! Entretanto, sinto que nos últimos anos, o velho jeito de publicar está dando espaço a uma geração mais moderna e adaptada digitalmente que tenta manejar com eficiência essa era digital, e, para mim, é uma coisa boa.

O que você opina sobre a literatura brasileira hoje? De que maneira acredita que ela esteja inserida num contexto mundial?

Vivi quatro anos em Curitiba e tenho uma relação muito próxima com o Brasil. É um país que amo, cuja cultura descobri maravilhada com mudei para lá. A música, a literatura… É fato que o Brasil está mais ativo e poderoso que nunca, embora eu saiba muito bem que a pobreza e a corrupção continuam mais fortes que nunca. Lembro, quando eu tinha acabado de me tornar uma editora, que meu desejo era encontrar um belo romance brasileiro. Acho que os olhos do mundo estão postos sobre o Brasil, cheios de expectativas, admiração, ignorância e clichês. Eu sempre quis publicar um romance que fosse fiel ao país. Amei “A queda”, de Diogo Mainardi (sei que ele é uma personalidade controversa no Brasil, mas seu livro realmente me tocou), admiro o trabalho de Michel Laub e vou publicar em alguns meses um livro escrito por um mexicano, Alejandro Reyes, que viveu anos no Brasil trabalhando como assistente social com crianças de rua. Seu romance “La reina del Cine Roma” foi, para mim, esmagadoramente bela e intensamente comovedora. Tive uma sensação parecida com li pela primeira vez “Bahia de todos os santos”, de Jorge Amado. Acho que, na França, muitos leitores, quando questionados sobre que escritor brasileiro conhecem, respondem Paulo Coelho. Agora é a hora de mostrar mais da profunda riqueza cultural e das maravilhas que a literatura brasileira tem.

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