15 de outubro de 2010

Perdidos

Publicado em: Blog de Leonardo Sodré

Paulo Correia
Jornalista
ph-correia@uol.com.br

“Mas você me prometeu que pagaria um churrasco”. Essa frase eu ouvi faz uns três anos, em uma das edições do Carnatal. Ouvi quando estava saindo do corredor da folia, acompanhado de alguns amigos, e foi dita por uma garota que deveria ter no máximo nove anos. Estava suja, com os cabelos desgrenhados e usava uma camisa que cobria o seu corpo inteiro. Ela cobrava o churrasco de um homem de uns 35 anos, vestido com um abadá e que estava muito constrangido pela forma como a menina cobrava. Ele resmungava e dizia que não devia nada para ela, que ela fez porque quis. Esse momento nunca saiu da minha cabeça. Lembrei dele quando terminei a leitura de A Rainha do Cine Roma.
Escrita por Alejandro Reyes, um mexicano que desde 1995 vive em Salvador, a publicação conta a história de Betinho e Maria Aparecida, duas crianças que desde muito cedo sentiram na pele os absurdos da vida. Foram espancados pelos pais e padrastos, violentados sexualmente em suas casas, e tiveram que fugir desse mar de lama para tentarem não enlouquecer. Com a fuga, passam a viver nas ruas de Salvador.
Circulando entre o centro e a Cidade Baixa, vão encontrando tipos que toda cidade possui: os bêbados, as prostitutas, os travestis, os policiais espancadores, as doenças, e o pior de todos os males: a indiferença da população. Crescem nesse meio insalubre, aproveitando tudo o que a vida pode oferecer tanto para o lado negativo como para o positivo. A passagem dos anos é observada não pelo número de páginas viradas, mas pelo sofrimento que a metrópole lhes causa.
O livro, lançado no final de setembro, é um verdadeiro soco no estômago dos desavisados, mas um retrato fiel da juventude que mora nas ruas e que luta para manter a dignidade em meio a tanta sujeira e misérias da sociedade. Uma obra que merece a atenção de todos nós.
Uma obra que fala de tudo. De sexo, drogas, de AIDS, de amizades verdadeiras, de mesquinharias, de alegrias e tristezas. Que retrata uma Salvador onde os Capitães da areia se multiplicaram. Mas acima de tudo, que exibe a força do ser humano. Um livro que mostra que o amor e o carinho ainda conseguem viver.
Fica a dica de canto de página: A Rainha do Cine Roma

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